Equipada com um microfone de lapela, uma roleta de prêmios, um jogo de amarelinha, uma almofada de carimbo, vários adesivos de identificação e um conjuntinho: blaser e calça azuis à la atendente do magazan iniciei a performance Não diga ALÔ diga BIFURCA.
Uma breve explicação da versão final da performance, a que foi executada: Apresentadora de programa chamava as pessoas que passavam pela praça para participar da "Roleta da Felicidade", para isso o participante teria que jogar uma amarelinha que o traria até um quadrado escrito: programa, se conseguisse chegar lá poderia rodar a roleta de prêmios e ganhar de 50 centavos à um milhão de reais, que seriam depositados na conta do participante até às 14 horas do mesmo dia, para isso o ganhador deixaria no programa sua impressão digital, a mesma usada no seu adesivo de identificação, seu "certificado digital". foram usadas frases de efeito como: NÃO DIGA ALÔ DIGA BIFURCA!; ou TANTOS REAIS BIFURCA A SUA VIDA?! BIFURCA!!!; ou BOM DIA, BOM DIA, BOM DIA, BOM DIA ESPECTADOR, BOM DIA ESPECTADORA; ou VEM PRA CÁ, VEM PRA CÁ, VEM PRA CÁ!; ou CONTA PRA GENTE: O QUE VOCÊ VAI FAZER COM O DINHEIRO?.
Pois bem, saímos da casa da linguagem e começamos as performances na Praça da República por volta das dez e meia da manhã, foi acordado entre os diretores que agiríamos no corredor de mangueiras da Presidente Vargas em frente ao Waldemar Henrique por conta da sombra e maior circulação de pessoas. Iniciei o "Programa" próximo da esquina entre a Riachuelo e a Presidente vargas num espaço vago na calçada entre duas barriquinhas de artesanato, logo senti dificuldade em conseguir participantes para o jogo porque as pessoas passavam uma de cada vez e entendo que se sentiam intimidadas em embarcar sozinhas na brincadeira, senti que seria mais fácil mexer com grupos de pessoas.
O primeiro participante do programa foi um garoto de rua que não me parecia muito lúcido, não sei até agora se ele entendia que o jogo era mentira, foi aí que percebi que isso seria um problema durante toda a performance, porque ao meu ver estava muito claro que aquilo era cena e eu não havia me preocupado tanto até então com a possibilidade das pessoas acreditarem que era um programa de tv e que realmente receberiam o prêmio em dinheiro se girassem aquela roleta, mas foi algo que aconteceu, muitas pessoas tomaram a coisa como verdade e isso me deu um aperto muito grande sempre que acontecia porque a intenção era mesmo jogar com a imaginação das pessoas porque eu acredito que dinheiro é tido como o passaporte da felicidade e que isso mexe com a esperança das pessoas pelo menos no nosso país onde a desigualdade social é imensa e dinheiro realmente é o fator que delimita, distancia, possibilita ou impossibilita uma série de coisas, uma série de caminhos, bifurcações; o que eu não esperava é que esse jogo com a esperança das pessoas pudesse ser em alguma medida cruel. É por isso que eu digo que meu coração apertou diversas vezes, como o exemplo do menino que achou ter encontrado uma chance de ganhar muito dinheiro como que por um milagre, a saída para essa minha primeira saia justa no trabalho foi o garoto girar a roleta e cair o NÃO, que é prêmio nenhum, ele até me pediu para tentar de novo e eu tratei de acabar com o resto de esperança dele dizendo que só se pode jogar uma vez.
Mais tarde Ester me sugeriu que mudasse de lugar e me posicionei bem na esquina logo em frente à faixa de pedestres, à partir de então tudo funcionou melhor, várias pessoas brincaram, deixaram seus depoimentos do que fazer com o dinheiro e seus certificados digitais carimbados no programa; como os estudantes de terapia ocupassional que se ocupavam de pedir dinheiro no sinal para uma viagem à Recife para participar de um congresso estudantil, inclusive afirmaram que o dinheiro ganho na roleta seria destinado à viagem,que aliás foram dois de 1.000.000 de reais.
Depois outro rapaz girou e ganhou 200 reais, que eu prometi que seriam depositados na sua conta do bradesco até 14h daquele mesmo dia, assim que seu certificado digital (impressão digital deixada pelos participantes num papel em branco)caísse no sistema, mais tarde percebi que ele tinha ido até uma das pessoas da "produção" para perguntar sobre o recebimento do dinheiro, no seu depoimento ele contou que gastaria os 200 reais em roupa.
O último participante foi especial, um senhor morador de rua chamado Cosme que andava com ajuda de uma bengala veio até o programa jogar, girou a roleta e ganhou 3.000 reais, no seu depoimento contou o que faria com o dinheiro e mais meia vida, contou da filha que faz faculdade de letras por muito esforço que ele fez por ela, contou que mora na rua e mostrou um pedaço de papelão que ele leva na bolsa que é também a cama onde dorme, reclamou da vizinha que cheira mal e cospe muito, disse que onde ele mora é muito ruim, que é sempre assaltado, que lá só tem aranha, osga e barata, e que sempre joga na Megasena, mas que sabe que não vai ganhar porque "só rico ganha porque tem dinheiro pra jogar várias vezes"; a essa altura do campeonato eu já não sabia mais onde enfiar a cara nem com que voz eu ia dizer que era mentira, que ele não ganhou 3.000 reais e que ele não vai alugar um quarto pra morar, no fim eu disse que era uma brincadeira e ele disse que sabia disso e ainda me perguntou quanto custava. Quanto custava? E aí eu vi que mais dificil era explicar pra ele que não pagava nada, era de graça. Depois fiquei pensando e entendi que aquele senhor foi até mim participar da brincadeira achando que era pago, que ele sendo tão pobre foi até lá pagar pra brincar, brincar de ganhar dinheiro.
Terminamos as performances por volta das 11 e meia, 14 pessoas participaram da minha performance, e eu só posso dizer que o resultado me foi muito interessante porque eu realmente consegui mexer com essas pessoas e seus desejos, eu só não imaginava o quanto isso mexeria comigo e com os meus.
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