sexta-feira, 4 de junho de 2010

De Estér...


Performance e Teatro:
poéticas e políticas da cena contemporânea1

Eleonora Fabião

Sobre ela, a performance:

Começo por contar histórias.
17 histórias de performances ou 17 cenas verbais:

> Primeira: a história do homem que empurrou um bloco de gelo pelas ruas da Cidade do
México até seu derretimento completo.

> Segunda: A história do homem que introduziu uma boneca Barbie no ânus e, com
controle de sua musculatura anal e abdominal, expeliu-a lentamente na frente de uma
audiência.

> Ou daquele que construiu uma cela de prisão em seu apartamento/studio, trancou-se
nela por um ano (365 dias e noites) e não leu, não falou, não escutou música, não
comunicou-se com ninguém. Contratou alguém para levar-lhe comida bem como um
advogado para testemunhar o feito e guardar a chave. Permitiu visitação pública de três
em três semanas, num total de 18 vezes ao longo do ano.

> A história de outro homem que contratou por 10 dólares/hora um desempregado que
concordou em permanecer 15 dias preso por trás de um muro de tijolos contruído numa
sala de museu. Através de um buraco na altura do chão, o contratado recebia comida.

> Este mesmo homem pagou 4 prostitutas viciadas em heroína para tatuar uma linha
horizontal em suas costas. Colocadas lado à lado, as 4 mulheres formavam uma linha
reta contínua de 1,60 cm de comprimento. Cada uma recebeu pela participação no
1 Uma primeira versão deste texto foi escrita para o livro Cartografias do Ensino de Teatro (org.) Adilson
Florentino e Narciso Telles, editora EDUFU (no prelo).
2 Eleonora Fabião é atriz, performer e teórica da performance. Professora Adjunta do Curso de Direção
Teatral da Escola de Comunicação—UFRJ, é Mestre em História Social da Cultura (PUC – RJ) e Doutora
em Estudos da Performance (New York University – NY) com financiamento CAPES.
2
projeto 67 dólares, o valor correspondente a um shot de heroína. Vale saber que as
mesmas cobram cerca de 17 dólares por felação.

> E aquele outro que convidou amigos para mastigar páginas do célebre livro Art and
Culture de Clement Greenberg, juntou à polpa mastigada ácido sulfúrico, açúcar e
bicarbonato de sódio, depositou a mistura num pote que etiquetou com os dizeres “Art
and Culture” e retornou o objeto à biblioteca da San Martin’s School of Art (perdendo,
nesta ocasião, seu emprego como professor nesta mesma instituição).

> A mulher que tomou o metrô num sábado à noite e foi à uma livraria movimentada
vestida com roupas que havia deixado de molho por uma semana num caldo de vinagre,
leite, óleo de ríceno de bacalhau e ovos.

> Uma mulher que construiu uma miniatura de palco Italiano, tapou os seios nús com a
maquete, e convidou os passantes na rua a tocar-lhe os peitos através das cortinas de
veludo vermelho do pequeno palco.

> A mulher que subiu com os pés descalços uma escada cujos degraus eram facões.

> O homem que armou sua festa de aniversário na rua, partilhou seu bolo, trocou abraços
e recebeu votos de felicidade de desconhecidos.

> A mulher que, no Centro do Rio de Janeiro, colocou frente à frente duas cadeiras de sua
cozinha, descalçou os sapatos, sentou-se, escreveu num cartaz a frase “converso sobre
qualquer assunto” (ou “converso sobre saudade”, “converso sobre política”, “converso
sobre amor”), exibiu-o. E, por sucessivas manhãs, conversou com diversas pessoas sobre
assuntos diversos.

> A mulher que convidou os espectadores a usarem nela, enquanto se manteve passiva
por seis horas, inúmeros objetos, dentre eles uma rosa, uma pistola, uma bala, tesoura,
mel, correntes, caneta, baton, uma câmera polaroid, faca, chicote (os objetos puderam ser
utilizados livremente e a performer, que se definiu como objeto, assumiu plena
responsabilidade pelos atos dos “espectadores” que chegaram a brigar entre si já que
alguns queriam feri-la mortalmente e outros os impediram).

> O homem negro que sentou-se numa calçada cinza, exibiu três vidros de maionese
branca, e tentou vendê-los por 100 dólares cada.

> O mesmo homem sentou-se numa galeria de arte por três dias consecutivos vestindo o
gorro vermelho do Papai Noel branco, para fazer levitar um vidro azul de leite de
3
magnésia. Branco leite este que, como se sabe, ajuda a soltar fezes marrons seja de
homens pretos, brancos, azuis ou amarelos.

> A mulher que, trajando camisolão branco, usou terços de plástico cor-de-rosa-bebê para
realizar desenhos de pênis no chão. (conforme veiculado em sites de notícia na internet:
“Em abril de 2006, esta obra é retirada da exposição Erótica—Os sentidos da arte,
promovida pelo Centro Cultural Banco do Brasil, após denúncia de um empresário que a
interpreta como ofensa ao catolicismo. O grupo Opus Christi pressiona o Banco para que
mantenha a exclusão da obra no próximo destino da exposição, Brasília. O então
Ministro da Cultura, Gilberto Gil, condena o ato de censura. Finalmente, a direção do
Banco do Brasil decide que a exposição não seguiria para Brasília por apresentar ameaças
à marca e aos negócios”.)

> A história da mulher que se submeteu à nove cirurgias plásticas combinando em seu
rosto traços de cinco beldades da pintura ocidental: o nariz de Diana (por ser
insubordinada aos Deuses e aos homens), a fronte de Monalisa (a mulher algo homem), o
queixo de Vênus (a Deusa da Beleza), os olhos de Psyche (referência de vulnerabilidade)
e a boca de Europa (a aventureira).

> A mulher que perguntou a seus compatriotas Palestinos exilados: “se eu pudesse fazer
algo para você, em qualquer lugar na Palestina, o que seria?” E, graças à seu passaporte
norte-americano, cruzou a fronteira inúmeras vezes e atendeu os pedidos que lhe foram
feitos: regar uma planta, pagar uma conta atrasada, comer doce, florir um túmulo, tirar
fotografia, jogar futebol com meninos, cheirar o mar.3

Estas e muitas outras histórias descrevem programas concebidos e performados por
artistas interessados em relacionar corpo, estética e política através de ações. Gosto de
passar essas histórias adiante, de lançá-las sem adjetivação. Penso que estas práticas
alargam, que estes programas oxigenam e dinamizam nossas maneiras de agir e de pensar
ação e arte contemporaneamente.

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